sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Não é real.

  Era agosto de 2011. Agosto nunca fora o meu mês favorito. Eu sentia dores insuportáveis, mas não me importava com aquilo.
   Elas se agravavam, eu fazia alguns exames, porém eles nunca retratavam algo que me interessasse de verdade. Eu havia feito quinze anos. Eu tinha um namorado, o melhor namorado, um garoto que eu jamais achei igual, o garoto que eu mais amei na vida, o garoto que mais me fez feliz.
   Certa noite, as dores voltaram com mais intensidade, com muita força. Eu deitava e passava a mão sobre a barriga para ver se diminuía. Acabei dormindo e tive um sonho. No sonho, eu estava internada em um hospital e via várias pessoas de branco, muitas pessoas vestidas de branco. Eu não entendia. Eu falava com as pessoas, porém ninguém me olhava. Era como se eu não existisse. Até que um garoto veio até mim, ele falou que íamos fazer um pequeno passeio.
   O garoto segurou a minha mão, ele era simpático e me dava um grande conforto. Apesar de nunca lembrar de tê-lo visto, ele se preocupava de uma maneira sem igual comigo. Perguntou como eu estava me sentindo e disse para eu não sentir medo.
   - Eu sou um anjo.
   Bem, eu nunca fui muito religiosa. Na verdade, eu nunca me importei e toquei na palavra religião.  E eu nunca fui de crer em coisas assim. Para eu acreditar em uma coisa são necessários dez anos de puro conhecimento e noventa e nove por cento de intimidade. Ou seja, eu não acreditei.
  - Um anjo? E por que um anjo estaria falando comigo? Ou melhor, por que um anjo se importaria comigo?
 - Porque você deve fazer uma escolha. Você pode decidir o seu futuro. Você está passando para o outro lado, pequena. E eu vejo que você está cansada, você tem pensado em desistir e até se alegrou com a sua doença porque isso poderia ser uma saída. Você pode decidir entre o céu e entre a volta para a terra.
 - Por que eu? Eu nunca fiz nada para merecer isso.
 - Você não sabe. Então vamos, eu vou te mostrar, mesmo sabendo qual é a maior possibilidade de sua escolha, as conseqüências de sua decisão.
   Neste momento ele passou a mão sobre a minha cabeça me deixando um pouco tonta. De repente avistei o meu avô, que havia morrido quando eu tinha apenas cinco anos, com um sorriso no rosto. Ele estendia a mão para eu pegá-la, eu a peguei e ele me levou, sem falar nada, para um lugar de extrema paz, com muita calma e harmonia. Havia um lago enorme, havia pessoas conversando e rindo. Uma temperatura estável e todos usavam branco. Eu sentia uma paz incrível e vi todos os meus entes queridos já falecidos. Foi muito bom, eu me senti feliz como não me sentia há muito, muito, muito tempo.
  - Bem, a amostra terminou. Vamos ver o outro lado, então? – Eu consenti com a cabeça e logo recebi aquele toque novamente. Agora estávamos em um salão grande, com a iluminação meio baixa. Todos estavam lá. Meus pais, meus irmãos, meus avós, meus amigos. Eu via a tristeza no rosto de todos eles, eu via o desespero da minha família. Porém, eu procurava apenas uma pessoa, somente ele, o meu namorado. Eu acabei por achá-lo, estava em um canto mais escuro, escorado em uma parede. Eu fui até o seu lado e ouvi-o sussurrar:
  - Por que você fez isso, hein? Por que você não cuidou de mim? Por que levou o meu coração com você? Por que não volta? – Antes que eu pudesse falar algo o anjo me tocou novamente e eu já me encontrava no hospital. Enquanto estava fora dessa “passagem”, ou seja, quando estava totalmente viva, eu andava me sentindo muito cansada. E muitas vezes pensei em desistir de tudo, muitas vezes quis sumir e deixar tudo pra trás. Eu sempre fui muito egoísta, sempre pensei muito em mim. Eu queria acabar com tudo aquilo, estava decidida a fazê-lo.
 - Decidida?
 - Sim, estou.
 - Então? Já posso mandá-la para o céu?
 - Não..
 - Mas como assim? Eu tinha certeza que você escolheria o paraíso, a paz, a harmonia. É tudo o que você sempre quis! O que houve?
 - Eu me apaixonei.
 - Você deixará o certo pelo duvidoso? Deixará para trás todo o conforto para voltar ao mundo onde só há guerra, transtorno, brigas, ira e ódio?
 - Eu prometi a ele que sempre estaria ao seu lado. Eu prometi que iria cuidá-lo e o protegê-lo de todos os males. O meu paraíso é poder estar ao lado dele. A minha paz se encontra ao lado dele. E não há nada que me faça trocar isso. Eu posso ser feliz em qualquer lugar, contanto que ele esteja ao meu lado, contanto que eu possa fazê-lo sorrir. Eu posso sofrer a pior dor, porém nenhuma dor é tão forte quanto ter que deixá-lo. Nenhuma felicidade é tão grande quanto a minha por poder fazê-lo feliz. E enquanto eu puder decidir, eu sempre vou estar onde ele estiver. Eu nunca me permitiria machucá-lo e vê-lo sofrer por mim me corrói profundamente. Eu nunca me perdoaria de ser egoísta o bastante para jogar fora uma vida inteira ao lado dele, por uma eternidade de harmonia sem ele.
 - Então boa sorte, pequena. Eu sempre estarei contigo.
  Depois disso, acordei com uma leve sensação de que aquele anjo que cuidara de mim no sonho, era o mesmo anjo que cuidava de mim sempre que eu acordava. E eu senti que, independesse da minha decisão, ele estava lá para me acalmar e fazer o melhor por mim. Eu descobri que o meu anjo sempre foi, é e sempre será o garoto que eu mais amo. 

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